“Maternite” (1963), de Pablo Picasso (*) |
Pra quem não sabe quem é a Margarida leiam aqui, a publicação original foi retirada do ar. No final deste post tem o print da postagem.
"Margarida, querida, li seu blog ontem (Revista Pais & Filhos, a publicação foi retirada do ar, tem o print da postagem é esse aí em cima). Fiquei muito preocupada com você. Não por estar “passando fome”. Mas por ter sido enganada. Acho que não é bom para um bebê –ou para qualquer pessoa– ignorar fatos tão importantes e essenciais para sua própria vida, especialmente se esse engano é fruto de informações distorcidas que favorecem –ó, por acaso– indústrias milionárias, que ganham dinheiro por aí incentivando mães a fazer da exceção a regra.
É por isso, querida, que resolvi escrever esse pequeno texto para você. Vou ser objetiva, tá? Para começar, você pode não estar com fome. Bebês choram por muitos motivos, a maioria não relativos a condições fisiológicas. É engano de adultos achar que, se a criança estiver alimentada e limpa, não deve chorar. Choro é tudo o que alguém da sua idade tem de recurso para se expressar. Se quiser colo, se quiser sair do berço/carrinho, se sentir medo… vai chorar. Simples.
Se você estiver mesmo com fome, tenha certeza absoluta de que não é por causa de “leite fraco” ou “pouco leite”. Essas coisas são tão reais, meu bem, quanto o Papai Noel, o Saci, o Bicho Papão e as Princesas Disney. Mães, salvo raríssimas exceções (mulheres com problemas fisiológicos cientificamente diagnosticáveis), são sempre capazes de produzir leite para seus filhos. Somos mamíferos, sabe? Mamamos ao nascer. Portanto, nosso corpo, se saudável, está apto a produzir leite. Essa é a regra. E não fui eu quem inventou. Tem sido assim desde que surgimos por essas bandas. E deu certo. Dizem que nossa espécie tem cerca de 70 mil anos. O leite artificial é uma invenção bem mais recente, que começou a “vingar” mercadologicamente falando há coisa de 40 ou 50 anos atrás. Amamentar, querida, não é “moda”. Pelo contrário. É sobrevivência. Sorte dos bebês é que, apesar dos esforços da indústria, cada vez mais mães estão se dando conta disso.
Aí você pode argumentar, Margarida, que hoje em dia muitas e muitas mães sentem que têm pouco leite, seus bebês não engordam como prevê o pediatra, não dormem o previsto entre uma mamada e outra e acabam engordando “bem melhor” depois de introduzido o leite artificial na amamentação. Ok, isso é uma meia-verdade. De fato, essas coisas acontecem, mas não pela razão que fizeram você acreditar. Eis os motivos verdadeiros (ou, pelo menos, comprováveis pela ciência e divulgados por pessoas bem mais isentas que a indústria do leite artificial, como o estudioso de amamentação e pediatra catalão Carlos González, que não ganham nem um centavo a mais quando uma mãe consegue amamentar seu filho):
1) Estamos perdendo o elo com o que é natural e fisiológico, com conhecimentos que eram transmitidos de geração em geração quando vivíamos de modo mais simples. Pediatras –e mulheres mais velhas– não explicam para as novas mães coisas básicas de sua própria fisiologia, que ajudariam muito a estabelecer uma amamentação eficiente e que eram conhecimentos disponíveis às mulheres antigamente. Ao contrário, o mundo cheio de pressa diz às mães que o “certo” é amamentar por 10 ou 20 minutos em cada peito, de três em três horas. González diz que o estabelecimento dessa regra –sem o mínimo apoio científico ou embasamento comprovável– foi o golpe de misericórdia na amamentação. Porque, para a sua mãe produzir leite materno adequado à sua necessidade, Margarida, é preciso que você mame em livre demanda, que fique “pendurada no peito” o tempo inteiro, por quanto tempo quiser, especialmente nas primeiras semanas. O contrário disso aí que recomendam na maternidade e na pediatria, em geral. Sua mãe sente que tem pouco leite (e talvez até produza menos do que você precisa) porque você mama pouco. A glândula mamária produz na medida do que é estimulada. Pouco estímulo resulta em pouco leite e vice-versa.
2) Outro problema é estabelecer uma regra de “engorda” que precisa ser seguida semanalmente. Tem bebês que não engordam muito no começo mesmo. Outros engordam mais. E isso não é necessariamente um problema. Enquanto mãe e filho estão se conhecendo e organizando o início da amamentação, não seguir a tabelinha de engorda do pediatra à risca não significa que o bebê passa fome ou que terá prejuízo futuro. Sem contar que a tabela é feita com base no que engordam os bebês na média. Se hoje a média dos bebês toma leite artificial, que engorda mais, é natural supor que a média suba. O que, de novo, não significa dizer que o bebê mais magro não esteja recebendo alimento adequado. Ao contrário, ele “só” está sendo alimentado por um leite menos gordo e, portanto, mais saudável (vamos voltar a isso, peraí).
[Adendo às 00h53 de 28/11: nos comentários, a Luara Almeida esclarece que as novas curvas de crescimento da OMS, de 2006, são agora baseadas em bebês alimentados por leite materno. Obrigada pela contribuição. Tomara que isso reduza as expectativas gerais de ganho de peso em recém-nascidos, ainda elevadas, um dos principais argumentos usados por especialistas para "identificar" "leite fraco"]
Resumindo, Margarida: se uma mãe acha que produz pouco leite, ao invés de dar o artificial, o ideal é que bote o filho em tempo integral no peito. Isso resolve a imensa maioria dos casos, pois a “pouca” produção deriva apenas do “mau” uso do equipamento. Bebês engordam mais quando tomam LA, mas isso é bom? Crianças engordam quando comem batatas fritas e tomam refrigerante… Crescer e se desenvolver adequadamente é uma coisa, e há muitos fatores que identificam se esse desenvolvimento está acontecendo, não apenas uma tabela de peso influenciada por padrões de engorda artificiais.
E, para encerrar, querida, que já me alonguei demais, quero registrar que o leite artificial não é nada parecido com o materno. O leite materno é o único alimento completo e indicado ao recém-nascido, não só porque tem as doses exatas de proteínas, carboidrato e gorduras de que um bebê humano precisa, mas porque é composto por mais de uma centena de componentes impossíveis de se replicar no leite artificial. Além disso, transmite ao filho uma infinidade de anticorpos. E, o que é mais impressionante, como não é industrializado e padronizado, cada leite de cada mulher é único, específico para aquele bebê, transmitindo a ele anticorpos adequados às doenças encontradas em seu entorno.
Quer mais um dado interessante? A Alfa-lactoalbumina, uma das principais proteínas do leite materno (representa entre 10% e 20% da proteína total) protege contra mais de 40 tipos de câncer. Isso só para te dar alguns exemplos. A ciência, quanto mais estuda, mais comprova o que nossos antepassados já sabiam. Não precisamos de LA, Margarida. Quase nunca. Só em casos excepcionais. Nossos quase 70 mil anos de vida sem indústria de leite não me deixam mentir.
PS: quando vir a Maria novamente, explica para ela parar de pressionar sua mãe, que precisa é de apoio. Pesquisa recente, publicada na reputada Pediatrics, mostra que a ansiedade prejudica a amamentação exclusiva. Taí outra explicação para o número crescente de mães que acham que não podem amamentar.
Boa sorte para você e tomara que sua mãe encontre ajuda em alguns dos vários grupos de apoio à amamentação, como esse, esse ou esse aqui."
print do post da "Margarida" no site da Revista Pais&Filhos |
fonte da Carta aberta à Margarida http://maederna.wordpress.com/2013/11/27/carta-aberta-a-margarida/
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